Não há benefício verdadeiro na adoção da Odontologia Digital sem a observação aos princípios fundamentais de especialidade.
Nos últimos anos, temos vivido e testemunhado as mudanças provocadas pela Odontologia Digital. A Odontologia tornou-se uma profissão totalmente revolucionada pela adoção contínua de novas técnicas e ferramentas tecnológicas. Após aproximadamente sete anos de uso dessas tecnologias, Fabio Andretti está convencido cada dia mais de que os princípios propagados por mestres, como Luiz Baratieri, Paulo Kano, Jan Hajto, Christian Coachman e Marcelo Calamita, estão certos: não há benefício verdadeiro na adoção dessas tecnologias sem a observação aos princípios fundamentais de Odontologia, como preparo cavitário, oclusão, seleção de materiais, adesão etc.
Embora tudo isso possa parecer óbvio, por que então voltamos a lutar contra uma nova onda? Uma onda que tem feito tantos profissionais fantásticos se sentirem ou serem considerados ultrapassados por ainda não terem aderido ao digital. Há décadas, gerações após gerações de professores têm ensinado que não é a marca do equipamento que faz o profissional, assim como não é a marca de uma resina composta que preponderantemente define a qualidade e a longevidade de uma restauração.
Na verdade, talvez o melhor seja fugir de quem diz que aumenta a qualidade de seus procedimentos por usar um scanner ou um software. O que se busca é agilidade, padronização, menor impacto ambiental, otimização do fluxo de trabalho e de pessoal.
Se o objetivo maior não for incluir profissionais e, ao final de tudo, os pacientes, então não valerá a pena.
Hoje, vivemos um momento ímpar na Odontologia no que tange às mudanças de paradigmas pela adoção de tecnologias disruptivas. Há uma “luta” entre analógico e digital, como se fossem dois lados de uma moeda. E não são. Quando os aparelhos de raios X digitais chegaram à Medicina, e depois à Odontologia, não se pensou em extinguir a radiologia odontológica convencional.
A transição foi gradual, porém inevitável. Diferentemente da maioria das técnicas, materiais e equipamentos usados em Odontologia, os adeptos dessas ferramentas (scanners, fresadoras, tomógrafos e impressoras, por exemplo) são comprometidos – ou pelo menos têm uma tendência (pelo seu perfil, muitas vezes voltado à tecnologia) – em criar soluções ou trazerem respostas a dilemas como: “Posso usar essas ferramentas sem fazer um alto investimento financeiro?” ou “Existe um articulador virtual confiável e comparável a um articulador semiajustável convencional?” ou ainda “Finalmente posso oferecer restaurações anteriores com uma textura natural convincente e aceitável, simplesmente polindo-as e cimentando-as logo após a fabricação?”.
Mais importante do que escolher um equipamento que caiba no bolso, é entender que eventuais mudanças nas clínicas e nos laboratórios devem ser feitas de modo gradual. Além disso, somente podemos adotá-las quando estivermos prontos. Assim como a fotografia digital, os softwares de design de restaurações só podem melhorar o bom profissional ou aprimorar aquele que humildemente estiver disposto a aprender ou reaprender. Fabio Andretti compartilha sua experiência de fazer o caminho contrário. “Eu sabia muito de informática e pouquíssimo de anatomia dental, por exemplo. E venho nestes últimos sete anos usando as ferramentas fantásticas de CAD/CAM para aplicar, aprimorar e entender melhor os dentes, a função e, derradeiramente, os pacientes”, diz.
Esperamos e cremos que, finalmente, o medo do fim da profissão do técnico em prótese dentária tenha acabado. Na verdade, os sistemas chairside (que permitem ao dentista confeccionar restaurações de resina e de cerâmica, por exemplo, dentro do consultório) vieram tão somente para eliminar o tormento do uso de fitas-matriz e cunhas no momento da obtenção dos pontos de contato, e diminuir os custos de repetição de moldes e o número de consultas. Nunca foi proposta dos fabricantes que um dentista pudesse fazer uma reabilitação completa – não que seja proibido ou que não se deva fazê-la.
A única vantagem é que, como dentistas, passamos a entender melhor nossos parceiros de laboratório. Fabio Andretti destaca que é muito mais feliz realizando restaurações simples (Figuras 1 e 2) que atendem às expectativas do paciente, muitas vezes feitas apenas com design, fresagem, polimento e cimentação, do que casos complexos – que beiram o exibicionismo – e técnicas dificílimas de serem reproduzidas.
Finalmente, fica o questionamento: o que realmente significa sucesso em Odontologia? O que significa ser um bom dentista? Eis um tópico muito relevante e complicado nos dias de hoje. Além da óbvia relatividade do que cada um de nós concebe como sucesso, o que sobra na essência é a realização pessoal e o legado. Talvez devêssemos olhar com mais respeito e empatia a trajetória do outro e entender que sucesso para alguns é ser respeitado pelos pacientes, e que o maior legado que um homem tem, definitivamente, não é deixar uma marca na profissão, mas marcar vidas.
A Odontologia Digital não é um fim, mas é constituída por métodos e equipamentos criados e desenvolvidos para prevenir, diagnosticar, controlar, promover e reparar a saúde bucal. Vá além do digital.
Confira outras edições da coluna “CAD/CAM Today”, de Guilherme Saavedra.
Coordenação:
Guilherme Saavedra
Professor assistente do Depto. de Materiais Odontológicos e Prótese, e professor da especialidade de Prótese Dentária do programa de pós-graduação em Odontologia Restauradora – ICT-Unesp; Professor visitante da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, em Portugal.
Orcid: 0000-0001-7108-0544.
Autor convidado:
Fabio Andretti
Mestre em Materiais Dentários, doutor e pós-doutor em Dentística pela UFSC; Professor de cursos de especialização em Dentística, Prótese Dentária e Odontologia Digital; Fundador da IDEx Translations (DT Consultoria).
Orcid: 0000-0002-3075-6250.