Critérios: o lado oposto da pirataria

Critérios: o lado oposto da pirataria

Compartilhar

Pirataria: uma abordagem sobre os métodos de análises de validação de implantes, englobando o momento em que estamos, a importância dessa discussão e os caminhos no futuro.


Por Andressa Trindade


O mercado de componentes sem regulamentação afeta a Odontologia como um todo, por isso os profissionais de clínicas e laboratórios devem ficar cada vez mais atentos a essa questão. “É um problema de saúde pública e, infelizmente, não é combatido como deveria, pois não há fiscalização suficiente. O controle torna-se mais difícil quando ocorre o envolvimento de cirurgiões-dentistas que usam esses produtos”, afirmam Carlos Nelson Elias, doutor em Ciências dos Materiais e pesquisador do CNPq, e Simone Mancilla Pivato, farmacêutica e bioquímica com experiência de mais de 20 anos nas áreas de assuntos regulatórios e garantia da qualidade em indústria de produtos para Saúde (incluindo fabricantes de implantes odontológicos).

Para Cláudio Fernandes, chefe da delegação brasileira na ABNT/ISO – Dentistry e coordenador do grupo ISO/TC 106 Dentistry, esse cenário é preocupante. “Além do mercado estar exposto a produtos sem qualquer comprovação de qualidade ou performance, os dentistas brasileiros ainda não conhecem de forma consistente a importância das normas técnicas para, assim, garantir a qualidade do trabalho e levar mais segurança aos pacientes”, alerta.

Validação de implantes

Existe um erro muito comum: confundir o conceito de validação de processo com o conceito de validação do projeto. Segundo Elias e Simone, o primeiro significa garantir que, durante o ciclo de vida do produto, ele seja fabricado de acordo com o que foi definido no projeto de desenvolvimento. Já a validação do projeto visa assegurar que a peça em questão atenda à indicação de uso, eficácia e não cause dano ao paciente.

Quando se fala de validação de produtos para a Saúde, ambos esclarecem que o objetivo é certificar e fornecer evidências documentadas de que o processo de fabricação obedece a todos os parâmetros do projeto e seja repetível e reprodutível para atender à qualidade e à especificação definidas. Isso garante a padronização do processo de fabricação e a qualidade dos implantes, alcançando uma hegemonia do mercado e tornando-os seguros e eficazes.

Os critérios de análise para validação do processo de produção, segundo Fernandes, são estabelecidos ainda durante o desenvolvimento do projeto do produto. “Envolvem todos os aspectos: composição química dos materiais, propriedades físicas, biocompatibilidade, processo produtivo, controle de qualidade, limpeza pós-produção, esterilização, embalagem, entre outros. Cada etapa requer ensaios de validação para garantir que tenham sido alcançadas as intenções do projeto”, detalha. Uma vez desenvolvidos, os produtos ficam sujeitos a avaliações periódicas de certificação da qualidade. Alguns mercados de Saúde já exigem que os insumos sejam obrigatoriamente certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), porém, por enquanto, na Odontologia somente as agulhas gengivais estéreis para uso único têm necessidade de certificação obrigatória.

Nas indústrias de implantes odontológicos, a validação dos processos envolve a qualificação usada na fabricação, procedimentos operacionais, definição dos parâmetros de produção, análise de risco, critérios de aceitação, plano de amostragem de análise dos implantes, treinamento dos colaboradores, relatórios de calibração dos equipamentos realizados por profissionais qualificados, laudos de análises de amostras, procedimentos de embalagem, envio e rastreabilidade de qualquer peça. “Apesar do controle sanitário, dos processos, dos ambientes fabris, da matéria-prima, das tecnologias da produção e comercialização dos implantes estarem a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não é este órgão que define o protocolo para a validação dos processos, pois cada empresa utiliza parâmetros diferentes, sendo cada uma responsável pela própria metodologia”, acrescentam Elias e Simone. A ausência de critérios dificulta a criação de normas que atendam a todo o mercado.

Os impactos dos critérios

Se hoje vivemos um mercado sem métodos de avaliação, o que podemos esperar do futuro, caso sejam estabelecidos? “Para a indústria, provavelmente haverá mudanças nos processos e aumento de custo. Para o mercado, acarretará em padronização do processo. Para o paciente, o ganho de segurança é o principal ponto a ser destacado”, opinam Elias e Simone.

Fernandes destaca que a digitalização da informação, a mobilidade e a abertura fiscal dos mercados formam um movimento crescente de exposição do Brasil para empresas estrangeiras. Dessa maneira, a norma técnica cumpre a função de apoiar os mercados a proteger a qualidade e segurança dos produtos em circulação. É uma medida que facilitaria a nossa entrada nos diversos países internacionais e reduziria os custos administrativos de controle de qualidade. “É importante que as empresas estejam atentas e participem do desenvolvimento normativo para verificar como novas regras podem influenciar na área de atuação. A normativa também precisa respeitar o espaço de criação do mercado e não deve interferir ou limitar a possibilidade de surgimento de novas tecnologias ou materiais”, explica.

Elias e Simone acreditam que as normas deveriam seguir a metodologia adotada para as Farmacopeias, na qual cada método descrito deve ser testado antes de ser publicado.

O momento presente

A discussão normativa já cresce muito no Brasil, mas está longe de alcançar o nível de engajamento e entendimento de profissionais do Japão, Alemanha, Estados Unidos e França. Um exemplo muito interessante em andamento sobre como a norma técnica pode ajudar a combater a pirataria é a ABNT NBR 16647:2017, que visa o monitoramento e acompanhamento futuro, podendo ser solicitado tanto pelo fabricante quanto pelos órgãos reguladores competentes. “A norma é destinada a facilitar, por meio de registros relevantes detalhados do produto implantado ou qualquer outra conexão/componente/complemento, os cuidados com os pacientes que passaram por tratamentos com implantes dentários”, afirma Fernandes.

Atualmente, no comitê da ISO, os pesquisadores e fabricantes estão constantemente analisando os procedimentos adotados na fabricação dos implantes e fazendo críticas para melhorar a qualidade. Elias e Simone argumentam que foi detectada a necessidade de elaborar um projeto para o processo de validação de limpeza dos implantes antecedendo a avaliação biológica, de acordo com o normativo ISO 10993-1.

Para Fernandes, a ausência de um consenso sobre o que é a “limpeza” torna essa área vulnerável na verificação de produto de qualidade. “A principal dificuldade para a evolução da norma está na insuficiência de dados sobre os tipos de contaminantes e, consequentemente, sobre a metodologia adequada de avaliação”, resume.

Quem é quem nessa história

Os três profissionais explicam quais órgãos e instituições fazem parte desse ecossistema de fiscalização e criação de critérios.

  • A Anvisa tem a função de promover o controle sanitário da produção e do consumo de produtos e serviços submetidos à Vigilância Sanitária. Para atender às exigências da Anvisa, as empresas seguem as recomendações das Normas Técnicas e Resoluções. Por princípio, as normas são de uso voluntário, no entanto, considerando que asseguram as características desejáveis dos produtos, a Anvisa exige que os processos de validação sejam realizados observando-se as diversas normas específicas para o tema.
  • A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) possui comitês que coordenam, planejam e executam as atividades de normalização técnica. No caso da Odontologia, o Comitê Brasileiro CB 026 – Comitê Brasileiro Odonto-Médico-Hospitalar.
  • A ISO/TC 106 Dentistry é o órgão internacional que desenvolve normas para aproveitamento nos diversos mercados globais. Composta por vários subcomitês, abrange produtos para todas as atividades da Odontologia. A presença brasileira na ISO se tornou regular a partir de 2008, com a atuação de delegados brasileiros nas áreas de implantes odontológicos e materiais restauradores.