Oclusão: o papel da tecnologia nos estudos dessa área

Oclusão: o papel da tecnologia nos estudos dessa área

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Profissionais de destaque na Prótese Dentária abordam como a tecnologia está impactando os estudos da Oclusão.

Por muito tempo, a Oclusão foi tratada como um tema complexo e desafiador. Poucos eram os profissionais que “se atreviam” a estudá-la com profundidade, menor ainda era o número de estudiosos que conseguiam transmitir seus conhecimentos de forma didática e que gerasse interesse aos futuros cirurgiões-dentistas. Mas, esse cenário foi mudando com os avanços da tecnologia.

Com o desenvolvimento de recursos, como sistema CAD/CAM, scanners, softwares, sensores de pressão digital e impressoras 3D, tanto o diagnóstico quanto o tratamento de problemas oclusais tornaram-se mais fáceis e previsíveis. Embora a Odontologia Digital seja uma grande aliada para “descomplicar” os dilemas oclusais, ainda é preciso democratizar a tecnologia para que chegue ao alcance de todos os profissionais e pacientes.

Considerando a importância do assunto, a seguir reunimos profissionais de destaque na Prótese Dentária para abordar como a tecnologia está impactando os estudos da Oclusão. Acompanhe.

Processos em evolução

Ainda que a importância da Oclusão seja inegável, por muito tempo seu estudo não despertou tanto interesse na maioria dos estudantes e profissionais de Odontologia devido à complexidade de compreensão, e também pela dificuldade de aplicar e verificar na prática alguns de seus principais dogmas e conceitos.

A massiva difusão da informação compartilhada, ocorrida com as tecnologias de comunicação social, ampliou o acesso aos mais variados assuntos, desde os mais simples até os mais complexos, abrindo inúmeras possibilidades e tornando o aprendizado atrativo justamente pela visualização da aplicabilidade prática.

Recentes desenvolvimentos em tecnologias digitais têm gerado significativas alterações nos processos de diagnóstico e tratamento em várias áreas da Odontologia, especialmente na Prótese Dentária e Oclusão. Tais avanços, como os scanners intraorais e de bancada, scanners de face, softwares, impressoras 3D, fresadoras CAD/CAM e sensores de pressão digital, podem ser utilizados desde o diagnóstico até o tratamento provisório ou definitivo de problemas de oclusão.

Por meio dos scanners, é possível digitalizar a situação clínica inicial em arquivos no formato padrão STL (standard tessellation language), os quais são abertos em computador através do software CAD (computer aided design) e analisados digitalmente quanto ao diagnóstico. Esse recurso possibilita a criação de enceramento digital e protótipos de restaurações, além de dispositivos oclusais necessários. Posteriormente, o tipo e o desenho das restaurações planejadas podem ser exportados como arquivos digitais para impressoras 3D ou fresadoras por meio da tecnologia de fabricação auxiliada por computador (CAM), onde serão produzidos em caráter experimental ou definitivo, dependendo da necessidade do caso e da etapa de tratamento.

Um dos principais desafios clínicos atualmente é a reconfiguração oclusal de pacientes totalmente dentados com hábito de bruxismo ou erosão dentária. Nestas situações, nem sempre a alteração da dimensão vertical de oclusão (DVO) é claramente percebida, devido à compensação do processo alveolar para mantê-la. No entanto, é facilmente constatada a ausência de espaço entre as arcadas para o restabelecimento de um novo padrão oclusal mais estético e estável. Assim, existe a necessidade do aumento da DVO, mas estimar clinicamente o valor desse aumento não é tarefa fácil. Para tornar esse processo mais previsível, o aumento virtual da DVO e o espaço interoclusal ideal também podem ser determinados por meio de software de análise 3D. Assim, é possível definir o menor aumento da DVO, que seja mais facilmente tolerável pelo paciente e gere um espaço oclusal mínimo o suficiente para conferir resistência ao material restaurador, com menor quantidade de desgaste dentário1 (Figuras 1).

Os locais sem espaço interoclusal suficiente são codificados por cores na imagem 3D (diagnóstico virtual), indicando a quantidade de dente a ser removida. Para transferir essas informações para a cavidade bucal de maneira previsível e menos invasiva – ou seja, o local e a quantidade exata de dente a ser desgastado com o preparo –, é possível projetar e produzir guias de orientação1 (Figuras 2).

Os vários métodos tradicionais para restabelecer a DVO com caráter mais ou menos subjetivo – como estético, fonético, posição de repouso mandibular fisiológico, proporções faciais, estudos cefalométricos e craniometria – têm sido reavaliados por ferramentas mais precisas2.

A digitalização facial combinada a softwares odontológicos melhorou muito o fluxo de trabalho digital na Odontologia.

Os scanners de face, associados a alinhadores supraorbitais e oclusais ligados ao registro oclusal físico, permitem relacionar a imagem da face, gerada no formato OBJ (Object File Wavefront 3D), com a das arcadas produzidas pelos scanners intraorais no formato STL. Os arquivos digitais originam uma imagem virtual tridimensional das relações maxilomandibulares do paciente a ser reabilitado associada à face, o que reduz incertezas e melhora a comunicação no planejamento e na tomada de decisão com o paciente e com os outros profissionais3 (Figuras 3).

A partir de escaneamentos de face e intraorais, combinados na análise métrica das imagens virtuais 3D das relações maxilomandibulares, existe a possibilidade do profissional diagnosticar antecipadamente problemas e limitações do caso, simulando correções e resultados. Além disso, o paciente também visualiza o resultado, ficando mais motivado e confiante no investimento do plano de tratamento proposto.

Além da análise da imagem, as tecnologias atuais permitem ainda a criação de protótipos ou réplicas para testes de trabalhos em boca. Com a automatização nos processos de confecção de alinhadores, moldeiras individuais, placas oclusais, guias de desgaste dentário, restaurações e próteses, ocorre a redução de etapas clínicas e laboratoriais de materiais utilizados, possíveis erros humanos e distorções de materiais, aumentando as chances de sucesso final em um prazo de tempo muito mais curto.

Outro avanço tecnológico importante relacionado à Oclusão é a utilização dos sensores de pressão para análise oclusal digital. Esses dispositivos possuem um sensor de gravação dos contatos oclusais e a análise dos dados é realizada por meio de um software, que exibe a distribuição das forças graficamente em duas ou três dimensões. Esta análise pode ser utilizada em todas as etapas do fluxo digital envolvido na confecção de restaurações simples até reabilitações orais, buscando minimizar marcações falso-positivas criadas pelo método analógico com as tiras de carbono. A possibilidade de mensurar o tempo, a localização e a força de mordida permite o diagnóstico precoce de relações oclusais não fisiológicas sinalizadas por contatos prematuros deflectivos, interferências e sobrecarga oclusal, minimizando a chance de danos, como mobilidades dentárias não justificadas por doença periodontal, trincas ou fraturas de próteses ou restaurações novas sobre dentes ou implantes, gerando propostas de tratamentos mais assertivos e resultados mais previsíveis4 (Figuras 4).

Referências
1. Lee H, Fehmer V, Kwon KR, Burkhardt F, Pae A, Sailer I. Virtual diagnostics and guided tooth preparation for the minimally invasive rehabilitation of a patient with extensive tooth wear: a validation of a digital workflow. J Prosthet Dent 2019;9:1-7.
2. Morata C, Pizarro A, Gonzalez H, Frugone-Zambra R. A craniometry-based predictive model to determine occlusal vertical dimension. J Prosthet Dent 2019;117:492-3.
3. Ferrando-Cascales Á, Astudillo-Rubio D, Pascual-Moscardó A, Delgado-Gaete A. A facially driven complete-mouth rehabilitation with ultrathin CAD-CAM composite resin veneers for a patient with severe tooth wear: a minimally invasive approach. J Prosthet Dent 2019;2:1-11.
4. Solaberrieta E, Etxaniz O, Otegi JR, Brizuela A, Pradies G. Customized procedure to display T-Scan occlusal contacts. J Prosthet Dent 2017;117(1):18-21.

Uma nova realidade

A Odontologia está em constante atualização e evolução. Nos últimos anos, o desenvolvimento da área digital está cada vez mais crescente, gerando mudanças na prática clínica. Com a tecnologia CAD/CAM, o fluxo tradicional de trabalho vem sendo substituído pelo fluxo digital, desta forma o escaneamento intraoral, os softwares, a impressão 3D e a fresagem estão se tornando mais populares no vocabulário e no dia a dia do cirurgião-dentista.

Este conjunto de diferentes tecnologias passou a convergir através de empresas, equipamentos, produtos e serviços, possibilitando processos mais limpos, com maior controle de qualidade, redução de custos e tempo, maior satisfação do paciente e introdução de novos materiais, como a zircônia.

O fluxo envolve três etapas: converter a geometria em arquivo digital, através do escaneamento intraoral ou de laboratório; manipular o arquivo em um software de planejamento (CAD); e a manufatura do desenho em impressora 3D ou fresadora (CAM).

Na área da Oclusão, os benefícios destas inovações também estão presentes. Os projetos de CAD podem considerar uma oclusão estática ou dinâmica com sistemas de articuladores virtuais, buscando reduzir os ajustes oclusais no momento da instalação de trabalhos protéticos.

Etimologicamente, ocluir significa fechar. Assim, a Odontologia, em suas mais diferentes especialidades, necessita avaliar, seja estática ou em dinâmica, a relação de contatos dentais entre os elementos inferiores e superiores – um processo conhecido como “verificar a oclusão”. Os dentes antagonistas obrigam o encaixe entre vertentes de cúspides, enquanto as fossas ou cristas marginais dos elementos posteriores (estática) e anteriores compõem a possibilidade de originar guias que protegerão os dentes posteriores durante a excêntrica mandibular (dinâmica – com lateralidade direita, lateralidade esquerda e protrusão).

As articulações temporomandibulares (ATM) e os músculos da mastigação conferem esta dinâmica mandibular, sendo este o ponto-chave para aferir a quantidade e a qualidade da oclusão, seja antes, durante ou após o tratamento odontológico, ortodôntico, cirúrgico ou restaurador. O cirurgião-dentista detém o conhecimento teórico e prático para avaliar em qual posição de mandíbula/maxila estão sendo aferidos os contatos dentais, sejam em relação cêntrica (RC), máxima intercuspidação habitual (MIH), lateralidade direita, lateralidade esquerda e protrusivo. O uso de modelos de gesso combinado ao articulador semiajustável (ASA) está bem descrito na literatura, abordando como receber estas posições de mandíbula/maxila. A transição para as ferramentas digitais tem ocorrido de forma rápida, mas gradativa.

Autores1 compararam alterações tridimensionais em quantidade e morfologia após o ajuste clínico de uma coroa unitária posterior sobre implante, entre o fluxo de trabalho digital chairside (teste) e o fluxo de trabalho digital híbrido (controle).

No grupo-teste foram fresadas coroas em dissilicato de lítio (17), enquanto no grupo-controle foram fresados copings de zircônia e cerâmica feldspática, manualmente aplicada sobre os copings (16).

Todos os pacientes foram tratados com sucesso em ambos os grupos, sendo que o grupo-teste apresentou menos ajustes e maior precisão na superfície oclusal em comparação com o grupo-controle, com apenas um quinto do consumo de tempo de um fluxo de trabalho híbrido. O ajuste médio (oclusal e proximal) foi de 237 μm ± 112 no grupo-teste e de 485 μm ± 195 no grupo-controle (p < .0001). O tempo total de trabalho ativo/tempo total para dois fluxos de trabalho foi de 92,3/113,7 min. para o grupo-teste e 146,3/676,3 min. para o grupo-controle, respectivamente. Com base nos resultados desse trabalho, o fluxo digital apresentou maior precisão e eficiência clínica em comparação com o fluxo de trabalho híbrido, especialmente para a fabricação de superfície oclusal. Dessa maneira, é possível se beneficiar do desenho virtual através do CAD, fresar coroas monolíticas pelo CAM, economizar tempo e realizar processos de fabricação mais complexos, além de obter melhores efeitos clínicos.

Outro recurso tecnológico que pode ser utilizado é o OccluSense, um sistema digital de controle de pressão oclusal que representa o conhecido papel carbono em um novo formato, permitindo explorar 256 níveis de pressão em um sensor (acetato) de apenas 60 micras, levando o refi namento oclusal muito além do vermelho, azul e branco. Já o dispositivo anterior funcional MiniReg AFR 100 registra o arco gótico de Gysi, que mostra as posições cêntricas e excêntricas mandibulares, permitindo obter o registro interoclusal e, assim, transferir estes dados para os modelos de gesso no ASA (Figuras 1 a 4). Dessa maneira, o primeiro contato oclusal interferente nos modelos de gesso, na posição de RC, é localizado e se mostra idêntico ao encontrado em boca, bem como com o sensor eletrônico do aparelho OccluSense (Figuras 5 a 7). Além da transferência de pigmento vermelho do sensor, o registro digital se expressa em colunas no software e em cores distintas, que variam de acordo com a pressão entre superfícies oclusais nos diferentes tempos que ocorre o contato dental (Figuras 8 a 10).

Diversos trabalhos vêm sendo publicados com o objetivo de diminuir a necessidade de ajuste oclusal e proximal, buscando uma adaptação perfeita. Foi nessa linha de pesquisa que os autores2 mostram o registro e a trajetória de abertura e fechamento da boca para a fabricação de uma placa miorrelaxante. A técnica relatada representa um sistema para mesclar três tipos de dados digitais, para determinar movimentos mandibulares em tempo real, com base nos dados digitalizados dos modelos de ambas as arcadas, sobrepostos ao arquivo da digitalização facial. Os dados dos modelos produzem um arquivo STL sobre a amplitude de abertura da boca, que pode ser transferida para o software CAD ao projetar uma prótese dentária ou placa oclusal.

Outro grupo3 apresenta o fluxo de trabalho digital para uma reabilitação que considera o movimento de lateralidade de maneira mais precisa, se comparada ao articulador virtual. Para tal, é necessário o escaneamento do modelo ou o escaneamento intraoral com o registro de oclusão em relação cêntrica e em lateralidade. Dessa forma, o ajuste oclusal do trabalho final pode ser realizado nas duas posições dentro do software de planejamento, minimizando a necessidade de ajuste em boca e, consequentemente, diminuindo o tempo clínico com cada paciente.

O fluxo digital permite realizar procedimentos clínicos e laboratoriais para a confecção de placas oclusais de forma totalmente integrada, através da comunicação dos softwares. Após o escaneamento intraoral, os arquivos STL são enviados para o software de desenho CAD, que se comunica com o software da impressora CAM, produzindo de maneira rápida e precisa a placa em resina. Os contatos oclusais em relação cêntrica (RC), lateralidade direita, lateralidade esquerda e protrusão podem ser ajustados no articulador virtual, assim como a espessura da placa (Figuras 11 a 15).

Em todas as áreas, existe a dificuldade de transformar as conquistas da Ciência aplicada e da inovação tecnológica em benefícios concretos para a população em geral. Infelizmente, ainda haverá um longo caminho até que mais pessoas possam ser tratadas com as vantagens oferecidas pelo desenvolvimento do universo digital na Odontologia. Entretanto, enquanto os estudos clínicos avançam e, pouco a pouco, cirurgiões-dentistas passam a equipar suas clínicas e espaços de trabalho e a se qualificar, espera-se que, em paralelo, este conhecimento e seus frutos sejam democratizados.

Rapidez, acurácia, precisão, reprodutibilidade, segurança e previsibilidade são conceitos bastante lembrados para a defesa e amplificação do conjunto de técnicas e tecnologias relacionadas ao digital em todas as especialidades da Odontologia. Porém, é importante considerar as relações de custo-benefício, os investimentos necessários em tempo e recursos financeiros, entre outros fatores, para que o profissional obtenha as condições para o pleno exercício e domínio deste campo, concretizando estas vantagens para si mesmo e para seus clientes.

Referências
1. Zhang Y, Tian J, Wei D, Di P, Lin Y. Quantitative clinical adjustment analysis of posterior single implant crown in a chairside digital workfl ow: a randomized controlled trial. Clin Oral Implants Res 2019, Jul 29. [Epub ahead of print].
2. Kim JE, Kwon JH, Kim JH, Shim JS. Recording the trajectory of mouth opening and closing for the fabrication of an occlusal splint. J Prosthet Dent 2017;117(5):597-600.
3. Park JH, Kim JE, Shim JS. Digital workfl ow for a dental prosthesis that considers lateral mandibular relation. J Prosthet Dent 2017;117(3):340-4.

Sugestões de leitura
1. Ballastreire MCFF, Carmo GG, Fantini SM. Reliability of the anterior functional device in recording the centric relations of patients with posterior tooth loss. J Prosthet Dent 2015;114(4):560-5.
2. Dinato JC, Dinato TR, Sczepanik FSC, Uhlendorf J. Fluxo digital facilitando a cirurgia guiada com implante, pilar personalizado e provisório imediato. Full Dent Sci 2019;10(39).
3. Zanatta EC, Pedro CMB, Seraidarian PI. Dispositivo anterior funcional para localização e registro de relações mandíbulo-maxilares. Rev Assoc Paul Cir Dent 1996;50(2):133-7.
4. Soares PV, Machado AC. Hipersensibilidade dentinária – guia clínico. Quintessence Ed. 2019. p.90-1.