Sidney Kina debate os limites da Estética

Sidney Kina debate os limites da Estética

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Em entrevista concedida à Renata Faria, o protesista Sidney Kina falou sobre materiais cerâmicos e o novo perfil dos pacientes.


Se por um lado os pacientes buscam a estética perfeita do sorriso, por outro é papel do cirurgião-dentista avaliar os aspectos que vão muito além de uma aparência bonita. Esse assunto tem sido tema de pesquisas e publicações de Sidney Kina, um dos mais renomados protesistas brasileiros, com doutorado em Prótese Dentária e autor dos livros Invisível: restaurações estéticas cerâmicas e Equilibrium: cerâmicas adesivas case book. Em uma conversa que aborda a linha tênue envolvendo função, autoestima e vaidade, Kina faz uma análise sobre como a atuação do profissional pode beneficiar o paciente.

A entrevista foi conduzida por Renata Faria, mestra e doutora em Prótese Dentária, professora do curso de especialização e atualização em Implantodontia da Unimes, e professora titular de Prótese Dentária da Universidade Paulista (Unip). Acompanhe

Renata Faria – Qual a sua opinião sobre a tendência de modificação do perfil dos nossos pacientes?
Sidney Kina – Precisamos entender a mudança dos perfis odontológicos. Se avaliarmos os anos 1990, observamos que os grandes inimigos da saúde bucal eram as cáries e os problemas periodontais. Tínhamos vários protocolos para cárie e fazíamos avaliações que classificavam os pacientes com baixo, médio e alto risco para essa doença – o realizamos ainda, mas com menor intensidade. Com o passar do tempo, as características da saúde bucal foram mudando, procedimentos de saúde pública foram melhorados e algumas situações, até de entendimento da sociedade, trouxeram um padrão melhor de higiene. Depois dos anos 2000, vimos a caída rápida no índice de CPOD (usado pela Organização Mundial de Saúde para avaliar a prevalência da cárie dentária em diversos países). Em 2010, quando houve o último censo de saúde bucal do Ministério da Saúde junto com a Organização Mundial da Saúde, o índice de CPOD do Brasil foi menor que 2 – o que mostra o baixo risco em relação à cárie. Enquanto vemos uma caída significativa desses problemas, observamos a ascensão de outros: as lesões não cariosas, como erosão (bastante comum), abrasão (muito associada à questão da erosão) e a temível atrição (paciente com bruxismo, que atrita dente-dente e destrói significativamente a estrutura dentária).

Renata – Isso também se refere à mudança de hábitos?
Sidney Kina – Uma pesquisa publicada há dois anos revelou o aumento de 42% na venda de medicamentos ansiolíticos nos últimos anos, o que mostra uma sociedade tensa. Isso se reflete também em problemas bucais. O que muda em nosso trabalho? A maneira de fazer restaurações em dentes desgastados por lesões não cariosas é completamente diferente de fazer o tratamento em dente cariado. Como a cárie faz a destruição iniciando na superfície e indo em direção ao centro do dente, tínhamos que obturar e restaurar. Nossa solução agora não é mais tapar um buraco, mas sim laminar e recuperar a estrutura que está sendo perdida. Sendo assim, precisamos mudar o conceito restaurador, pensando nesse tipo de situação adesiva e buscando a melhor e mais conservadora forma para restaurar os dentes.

Renata – O apelo estético também foi uma influência para essa mudança do perfil?
Sidney Kina – Sim, é outra face da situação. Chamamos esse apelo de status quo da estética. Na sociedade, essa questão funciona como um elemento de poder, um novo poder. Sabemos que as pessoas consideradas bonitas e que se acham bonitas se apoderam desse sentimento que as favorecem na sociedade. Antigamente isso também acontecia, mas hoje é muito mais evidente e esse fato afeta nossa profissão porque o sorriso influencia bastante a estética.

Nós, como profissionais, temos que saber lidar com os limites entre o exagero e a adequação. Eu escrevo muito sobre esse assunto: qual é o nosso limite e até onde vai a nossa ética? Logicamente, não há uma resposta precisa, mas não podemos trabalhar na base da imposição. Precisamos equilibrar a saúde e a estética desejada. De um lado há uma linha de pensamento que prega a não intervenção nos dentes sadios e do outro lado há uma filosofia que age de acordo com o que o paciente quer. É importante avaliar o custo-benefício para dar resultado, o que significa existir um sentido no tratamento para a pessoa que o recebe. A função estética trabalha em uma linha tênue que separa a autoestima da vaidade.

Renata – E qual seria a diferença entre autoestima e vaidade?
Sidney Kina – A autoestima você sente internamente, já a vaidade é percebida das outras pessoas em relação a você. Muitas pessoas têm baixa autoestima e, ao melhorar o sorriso e dar protagonismo aos dentes, talvez melhore a autoestima – mesmo que os dentes estejam bons. Mas, se eu conseguir identificar essa linha tênue e perceber que o paciente está sendo motivado pela opinião de terceiros, talvez seja o momento de sugerir outro caminho a ele, por exemplo, emagrecer ou até fazer compras. Tenho pesquisado o assunto e encontrado essa mesma preocupação na área de Cirurgia Plástica e Dermatologia. Ainda, existe uma abordagem muito importante: será que o livre arbítrio já não é suficiente? Ou seja: se o paciente deseja, será que ele já não tem o livre arbítrio de fazer? Isso nos leva a outra grande discussão. Dessa forma, destaco que a avaliação do perfil do paciente é imprescindível, sem imposição de regra.

Renata – Você trabalha muito com cerâmicas e existem dúvidas em relação à espessura e ao desgaste. O que você poderia nos falar sobre isso?
Sidney Kina – Ao fazer uma restauração com cerâmica em dentes posteriores com recobrimento de face oclusal, é preciso pensar em algumas medidas. A primeira delas está relacionada à base de recobrimento. Por exemplo: em alguns casos nos quais os dentes estão aparentemente íntegros e há aumento de dimensão vertical da oclusão, ocorre um ganho de espaço para fazer a restauração. Se o esmalte for a base para suportar a restauração – portanto, sem preparo –, colo a cerâmica sobre o esmalte e a espessura não tem importância. Eu também poderia trabalhar com os espaços mínimos de 0,3 mm ou 0,2 mm, que já permitem cimentar sobre o esmalte, pois há uma similitude entre os módulos de elasticidade da cerâmica com o esmalte. Além disso, a adesão sobre esmalte é espetacular, com unidade estrutural muito boa. Mas, se há preparo no qual a base é dentina ou núcleo de preenchimento de resina composta, é preciso entender que ambos têm um módulo de elasticidade mais alto em relação à cerâmica. Se a cerâmica for muito fina sobre essa base, a força oclusal acarretará uma flexão da base (resina ou dentina) que tende a ser maior que a da cerâmica, e mesmo a cerâmica aderida a essa base tende a fraturar, então, por segurança, precisaria de 1 mm para obter resistência estrutural.

No entanto, há muita rigidez se o núcleo for metálico e pousar a restauração sobre ele. Como não há base de flexão, a cerâmica não terá adesão com o núcleo (ou será muito baixa, mesmo usando cimentos próprios) e o material vai se desgastar mais. Nesse caso, aconselho ter pelo menos 1,5 mm de espessura na base oclusal.

Renata – E quando falamos da faceta estética?
Sidney Kina – Consideramos a relação da cor do substrato com a cor pretendida na restauração. Por exemplo, se eu tiver uma base de substrato A1 e quero chegar à cor A1, logicamente não há desafio de cor e pode-se fazer com qualquer espessura. Mas, se tiver uma diferença muito grande, como um fundo escuro C4 e eu quero chegar a um dente A1, há uma diferença de mais de três tons entre uma situação e outra. Dessa forma, não posso fazer muito fino. Existe um número técnico para isso (0,8 mm), mas são testes de laboratório feitos com espectrofotômetro. Na prática, quem vai determinar a necessidade de espaço é quem vai fazer a cerâmica de recobrimento – ou seja, o laboratório. Nem todos usam a mesma cerâmica e as mesmas técnicas.

Renata – Como você bem expôs, é algo que envolve a qualidade da cerâmica, do profissional que faz o diagnóstico e do técnico de laboratório. Um bom resultado depende dessa boa sincronia?
Sidney Kina – Quem trabalha com prótese dentária precisa entender que atuamos como um time. Desde os anos 1990, vivemos a batalha para que técnico e dentista trabalhem juntos. Não pode haver um protocolo em que o dentista só conheça o técnico pelo telefone. Eles precisam sentar juntos, trocar informações, avaliar as técnicas e os materiais utilizados, e discutir tudo em conjunto. Os estrangeiros se assustam quando veem o quanto a relação do dentista e do laboratório é próxima aqui no Brasil.

Renata – Nem todos os lugares têm acesso a um bom laboratório e à tecnologia. Você acha que essa comunicação pode ser feita de outra forma, que não seja pessoalmente?
Sidney Kina – Quando falo da proximidade, não é necessariamente física. A comunicação e o afinamento de ideias precisam ser próximos. É importante eliminar essa história de que tudo tem que acontecer em alta velocidade. Se queremos uma restauração que dure muitos anos, o processo não pode ser instantâneo. Ao trabalhar com um laboratório distante da clínica, basta se programar. Além disso, o controle do paciente está no provisório: se há bons provisórios com boa fixação, então o paciente ficará tranquilo.

Renata – Qual é a sua opinião sobre padrões estéticos relacionados a tamanho dos dentes, centrais dominantes etc.?
Sidney Kina – Como trabalho com estética, gosto dessa dinâmica. Outras pessoas acham que a estética dentária é muito standard, com ausência de variações, o que não é verdade. A estética tende também a padrões de moda. Lógico que é uma dinâmica diferente das tendências de roupas, pois a “moda corporal” é duradoura. No início do século passado, o padrão estético para mulheres era corpo mais gordinho e pele bem branca. Nos anos 1970, esse padrão mudou radicalmente para corpo longilíneo e magro. Já nos anos 1990, o padrão tornou-se fitness.

No sorriso também há mudanças dessa mesma natureza. Nos anos 1960, a estética era baseada em próteses totais, em razão principalmente dos desdentados. Quando o desenhista fazia os traços dos personagens, a linha de sorriso morria na comissura labial e muitas dentaduras eram feitas assim, o que chamamos de estética cowboy. Entre os anos 1970 e 1980, entramos na fase do sorriso ortodôntico, que era um luxo e um padrão sem muitas variações. Chegando ao início dos anos 1990, essa referência de sorriso começa a mudar de novo e dura até hoje: a dominância de centrais que se destacam no sorriso, são protagonistas, ficam levemente mais para vestibular do que os laterais e são quase 2 mm mais longos.

Veja que mudança incrível: esse padrão vigente dos anos 1990 em diante, nos anos 1980 era motivo de bullying, com pessoas sendo chamadas de dentuças. Hoje, para a Estética, os dois centrais em destaque trazem mais sensualidade e agressividade, com um sorriso forte e potente, que se torna protagonista na face.

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