Revisão teve como objetivo evidenciar os parâmetros para o condicionamento e a limpeza pós-condicionamento da superfície das cerâmicas vítreas na literatura.
As cerâmicas de alto conteúdo vítreo, convencionalmente também conhecidas como cerâmicas vítreas, são utilizadas na Odontologia para confecção de restaurações indiretas desde a década de 1970. As excelentes propriedades estéticas e biocompatibilidade possibilitam a indicação desses materiais para a confecção de restaurações indiretas, como coroas totais anteriores e posteriores, inlays, onlays, facetas laminadas, lentes de contato e fragmentos. Atualmente, essas cerâmicas estão disponíveis no mercado com várias microestruturas, como as cerâmicas feldspáticas, feldspáticas reforçadas por leucita, dissilicato de lítio, silicato de lítio reforçado por zircônia, fluorapatita e cerâmica infiltrada por polímero (PIC)1.
Considerando que todas as cerâmicas vítreas devem ser cimentadas adesivamente, a adesão ao cimento resinoso torna-se um fator ainda mais importante para a longevidade dessas restaurações2. Apesar dos tratamentos de superfície para esse grupo de materiais cerâmicos serem bem relatados na literatura, ainda existem vários questionamentos sobre qual o protocolo ideal, com base em evidências científicas, para obter uma união estável das interfaces dente/cimento/cerâmica. Sendo assim, o objetivo desta revisão foi evidenciar na literatura os parâmetros para o condicionamento e a limpeza pós-condicionamento da superfície das cerâmicas vítreas.
Metodologia
A busca eletrônica foi realizada na base de dados PubMed com as palavras-chave: surface treatment, glass ceramic, etching, post-etching cleaning. A busca manual nas referências também foi realizada. Foram encontrados 846 estudos, sendo selecionados 26 artigos relevantes para o tema em questão.
Resultados e discussão
O condicionamento com ácido hidrofluorídrico (HF) das cerâmicas vítreas promove uma dissolução seletiva de sua matriz vítrea, criando microrretenções superficiais nas quais penetram os agentes de união (silano e/ou adesivo) e cimento resinoso, fundamentais para o processo de adesão3. O ácido mais utilizado para o condicionamento é o HF nas concentrações entre 5% e 10%, e o tempo de aplicação varia de acordo com o tipo de cerâmica, sendo os tempos de 20 segundos e 60 segundos os mais utilizados4,2 (Figuras 1).
A concentração e o tempo de aplicação do HF podem afetar a topografia superficial, as propriedades mecânicas e a adesão das cerâmicas vítreas resinosas.
Quanto às alterações topográficas, diversos estudos5-7 têm revelado que o aumento da concentração e do tempo de aplicação do HF cria irregularidades mais profundas nas cerâmicas, fruto da maior degradação da matriz vítrea desses materiais. Esse aspecto é extremamente relevante se considerarmos o uso contemporâneo de restaurações cerâmicas extremamente finas, como as lentes de contato cerâmicas, as quais apresentam espessuras inferiores a 0,5 mm. Em uma pesquisa recente7, verificou-se que o HF 10% por 20 segundos atinge uma profundidade de 0,36 mm no dissilicato de lítio. Já quando o HF 10% foi aplicado por 60 segundos em uma cerâmica de leucita, a profundidade do ácido foi de 0,40 mm.
Com relação à resistência mecânica das cerâmicas vítreas, os estudos revelam que o aumento do tempo de condicionamento reduz a resistência mecânica dessas cerâmicas5,8. No que diz respeito à concentração do HF, a maioria dos estudos observa que a sua variação não influencia na resistência à fratura das cerâmicas9-11, porém, para o dissilicato de lítio, a concentração de 10% reduz a sua resistência12. Por outro lado, alguns estudos afirmam que a concentração de 5% reduz a resistência das feldspáticas13-14. Entretanto, pesquisas clínicas com cerâmica feldspática condicionada com HF 5% observaram altas taxas de sobrevida das restaurações15-16, o que reforça a possibilidade de utilizar uma concentração menor (5%) para esse material, sem comprometer sua longevidade.
No que diz respeito à adesão ao cimento resinoso, pesquisas recentes6,17-18 observaram que o HF nas concentrações de 5% e 10% gerou valores semelhantes de resistência de união ao cimento resinoso. Dessa forma, as pesquisas apontam para a utilização do HF na concentração de 5% em detrimento do HF 10%, pois a maior concentração não parece trazer benefícios significativos para adesão entre cerâmica vítrea e cimento resinoso. Essa indicação é suportada por um estudo clínico19 recente constatou que, das 24 facetas laminadas de cerâmica feldspática condicionadas com HF 5% durante 60 segundos, nenhuma descolou após um período de oito anos de acompanhamento clínico. Além disso, o aumento do tempo de condicionamento além do recomendado não melhora significativamente a resistência de união ao cimento18 (Quadro 1).
QUADRO 1 – MICROESTRUTURA, MARCA COMERCIAL E RESPECTIVAS CONCENTRAÇÕES DO HF E TEMPO DE CONDICIONAMENTO PRECONIZADOS PARA CADA MATERIAL CERÂMICO
+++: mais indicado | +: menos indicado | x: não indicado
Outra dúvida frequente na prática clínica diz respeito aos métodos de limpeza pós-condicionamento, objetivando remover os resíduos (precipitados de fluoreto de sílica) resultantes da corrosão da cerâmica pelo HF. Vários métodos de limpeza têm sido propostos, como: lavagem com água, spray de ar/água, ultrassom, neutralizante, vapor de água e ácido fosfórico 37%. As pesquisas têm verificado que a lavagem com água durante 30 segundos seguida da secagem com ar apresenta valores de adesão semelhantes aos grupos submetidos à limpeza com neutralizantes (IPS Ceramic Neutralizing Powder, Ivoclar) e banho ultrassônico (cinco minutos)20. Outro estudo21 comparou a resistência de união entre o dissilicato de lítio e o cimento resinoso, variando o método de limpeza após aplicação do HF: lavagem com spray de ar/água (60 segundos), ácido fosfórico a 37%, banho ultrassônico e vapor de água. Foi observado que a lavagem com spray de água durante 30 segundos ou o banho ultrassônico apresentam-se como as melhores opções para a limpeza pós-condicionamento.
Como foi relatado anteriormente, o HF é o ácido mais utilizado para o tratamento das cerâmicas vítreas. Porém, a sua toxicidade22 e efeito prejudicial nas propriedades mecânicas das cerâmicas5 têm estimulado a busca por substâncias alternativas que sejam mais seguras e igualmente eficazes. O primer autocondicionante – no caso, o Monobond Etch & Prime (Ivoclar Vivadent) – tem sido proposto como uma opção por não apresentar o HF em sua composição, mas sim o polifluoreto de amônio como agente condicionante e o metacrilato de silano como agente de união. Dessa forma, as etapas de condicionamento e silanização são executadas em passo único, reduzindo o tempo clínico. Para sua utilização, o Monobond Etch & Prime deve ser aplicado na superfície com um microbrush e esfregado durante 20 segundos. Em seguida, aguarda-se o tempo de ação de 40 segundos para realizar a lavagem da peça com água e secagem com jato de ar.
As pesquisas têm demonstrado que ele promove um condicionamento menos agressivo da superfície cerâmica e uma adesão semelhante ao HF entre a restauração e o cimento resinoso7,23. Porém, algumas pesquisas também relataram valores de resistência de união inferiores aos observados com HF24-25. O desempenho clínico desse material é relatado apenas em um caso clínico na literatura, que descreve resultados favoráveis após seis meses de acompanhamento26. Portanto, mais evidência científica sobre esse produto é necessária para que ele desponte como um substituto ao HF.
Conclusão
Diante das evidências, pôde-se concluir que:
• O HF 5%, nos tempos de aplicação preconizados na literatura, é suficiente para condicionar as cerâmicas vítreas e promover adesão eficiente e durável. Essa concentração minimiza o potencial tóxico e os danos à estrutura da cerâmica, principalmente para as restaurações de espessura reduzida (≤ 0,05 mm).
• A lavagem com água e o banho ultrassônico são os métodos de limpeza mais indicados para remoção de resíduos pós-condicionamento.
• O Monobond Etch & Prime tem se mostrado uma opção promissora para o tratamento de cerâmicas vítreas, entretanto estudos clínicos são necessários para avaliar a longevidade dessa técnica.
Referências
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Taciana Emília Leite Vila-Nova
Doutoranda em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0002-2679-7316.
Nathalia Ramos da Silva
Doutoranda em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0003-4153-3279.
Dayanne Monielle Duarte Moura
Doutoranda em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0003-2111-5205.
Gabriela Monteiro de Araújo
Doutoranda em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0002-9393-6259.
Larissa Mendonça de Miranda
Mestranda em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0002-8503-7595.
Isabelle Helena Gurgel de Carvalho
Mestra em Ciências Odontológicas, área de concentração em Clínicas Odontológicas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0002-1744-8181.
Karina Barbosa Souza
Graduanda do curso de Odontologia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0001-7117-8250.
Sarah Emille Gomes da Silva
Graduanda do curso de Odontologia – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0001-9987-088X.
Rodrigo Othávio de Assunção e Souza
Professor adjunto da disciplina de Prótese Dentária – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Orcid: 0000-0003-0856-7178.