Em entrevista a Valdir Muglia, Laerte Schenkel destaca a importância do bem-estar do paciente além da questão estética.
A tecnologia favorece o desenvolvimento da Prótese Dentária, mas exige cuidado por parte dos profissionais, que devem avaliar o bem-estar do paciente para além da questão estética. Proporcionar conforto demanda domínio técnico que extrapola as ferramentas digitais e os modismos ditados por uma sociedade viciada em selfies.
Essas e outras provocações foram suscitadas por Laerte Schenkel, membro honorário da Sociedade Brasileira de Reabilitação Oral (SBRO) e sócio honorário da Sociedade Brasileira de Odontologia Estética (SBOE), durante entrevista comandada por Valdir Muglia, doutor em Reabilitação Oral e professor associado do Departamento de Materiais Dentários e Prótese da Forp/USP. Acompanhe, a seguir, o bate-papo na íntegra.
Valdir Muglia – Qual a sua visão sobre a Prótese Dentária atualmente?
Laerte Schenkel – Estamos vivendo um momento fascinante, com muito mais facilidade em termos de execução e qualidade – por exemplo, os sistemas de silicato e de cerâmicas monolíticas permitem estabelecer a forma, ao contrário do tempo em que fazíamos os enceramentos e as fundições de ouro.
As ferramentas atuais oferecem uma qualidade muito grande de contato e estabilidade oclusais. Na época em que fazíamos metalocerâmicas, o processo era mais complicado porque requeria tempo e uma qualidade muito grande. Além disso, quando trabalhávamos com cúspides altas, havia risco de fratura e perda dos trabalhos. Sou da geração em que havia uma grande preocupação para o paciente chegar aos 80 anos com dentes, por isso a batalha era com as cáries e pela prevenção, o que de alguma forma está sob controle hoje. Porém, vejo com apreensão os jovens querendo colocar lentes de contato e facetas aos 15 anos – e há dentistas fazendo. Sabemos que esses trabalhos precisarão ser refeitos em dez anos, sendo assim, projetamos que serão repetidos seis ou sete vezes até o fim da vida da pessoa e, a cada vez, em um momento pior, em que cada repetição levará a uma perda maior da estrutura dentária. Então, tudo aquilo que logramos na Odontologia está se perdendo. Por outro lado, existe uma característica social: a alta exposição e as selfies, já que todo mundo está tirando fotografia a toda hora – e essas fotos são manipuláveis.
As pessoas não gostam da cor dos dentes, da papada, da bochecha etc. e modificam esses detalhes em softwares de edição de imagem. Com isso, acabam criando uma identidade única, do perfil que elas gostariam de ter, e procuram profissionais para satisfazer essa imagem. Isso tem um nome: dismorfia. Esse é o grande problema que estamos enfrentando na Odontologia. A minha conduta é a de não fazer as mudanças solicitadas e conversar com o paciente nos casos em que vejo que não teria sentido esse procedimento.
Valdir Muglia – Vemos muitos casos em que foram trabalhados, por exemplo, oito dentes superiores, mas sem mexer no antagonista. A oclusão desse paciente me preocupa, assim como as repetições necessárias ao longo de sua vida, que vão fazê-lo perder a estrutura dentária. Essa seria uma premissa para nós professores orientarmos os alunos de que a oclusão é fundamental?
Laerte Schenkel – Sem dúvida, a oclusão é fundamental. Mas, existe um fato muito interessante: colocar a palavra “estética” em um evento ou conferência, por si só, traz um público 30% maior. Isso porque a estética envolve um fascínio na sociedade ocidental.
Em eventos de estética, vemos trabalhos com seis elementos (de canino a canino) e guia anterior sendo estabelecidos, no entanto ninguém fala de molar. Há quanto tempo não se projeta a imagem de um molar em uma aula? Parece que os sulcos, a cúspide e a fossa não existem na Odontologia. Em compensação, o incisivo central é o dente mais vaidoso e exibido, sendo fotografado em diferentes luzes e situações. Naturalmente, os profissionais mais jovens têm esse fascínio pelo belo, pelo novo e por todas as palavras inerentes a isso. Mas, há palavras que não são faladas, como conforto, ausência de dor e longevidade, que estão associadas à função. Os jovens profissionais se assustam com essas palavras, que só são ditas quando o paciente sente dor. No entanto, existe um lado da Odontologia que é mais fascinante: é aquele que deixa belo e sem dor. Esse é o lado desafiador e o que nos estimula a cada dia.
Valdir Muglia – Acredito que o aluno precisa aprender a moldagem convencional primeiro, para depois fazer o escaneamento intraoral. Qual a sua opinião sobre isso?
Laerte Schenkel – Ele precisa aprender muito mais do que a moldagem convencional porque o molde sozinho não tem sentido, ele fica com cinco dedos que o movimentam para todos os lados.
Ao ser colocado dentro de um articulador, é preciso saber realizar a aferição do arco facial, que vai estar espacialmente colocado em relação aos seus côndilos, alinhar a linha média e avaliar o plano oclusal. Temos uma quantidade enorme de trabalhos que mostram que planos oclusais alterados modificam a posição de cabeça, tanto para frente quanto para trás. Mas, atualmente, fazemos tudo isso pelo computador, que aceita tudo. Dando um exemplo, se você tiver uma imagem no computador e estiver fazendo o projeto, e se esse paciente tem uma perda de dimensão vertical ou não formou a dimensão vertical corretamente, eu pergunto: a aferição está correta? Logicamente que não e ainda não será devolvido conforto ao paciente. Esses são parâmetros básicos que partem de um modelo de gesso bem feito, de montagem articuladora e aferição de arco. É uma Odontologia que existe há mais de 100 anos, que funciona, é econômica, não precisa de investimento exorbitante para ter um sistema completo e que dá um resultado fantástico quando bem trabalhada. A tecnologia tem sua importância, mas é o passo seguinte. Primeiro, é preciso ter noção dos fundamentos.
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Valdir Muglia – De que forma estão sendo desencadeados os projetos de curto prazo na Odontologia e na Prótese Dentária?
Laerte Schenkel – A tecnologia de imagem é extraordinária. É possível obter imagens da região articular como nunca se imaginou. Acho que em pouco tempo teremos imagens dinâmicas do funcionamento da articulação, com a mandíbula abrindo e fechando – o que proporcionará mudanças de paradigmas e conceitos. Também vejo uma evolução muito grande com os sistemas CAD/CAM.
Eu a associo com a mudança do disco de vinil para o CD, quando havia uma discussão enorme sobre a qualidade do som. E hoje não existe mais CD. Dessa forma, a Odontologia Digital é a realidade, e o que não está bom hoje pode ser que amanhã esteja. Tanto o CAD/CAM quanto o computador, articulador, compasso de proporção e arco facial são ferramentas de trabalho. Se você não souber usá-las, não ajudarão e não terão sentido.
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