A trajetória de Paulo Amarante de Araújo se confunde com a história da Odontologia no Brasil, onde liderou a criação de uma das mais importantes faculdades do País.
Por Andressa Trindade
Quando conheceu o vizinho Waldyr, o menino Paulo mal sabia que uma amizade de infância duraria a vida toda e que esse laço se estenderia para a profissão e para a família de ambos. A criança da casa ao lado era Waldyr Antonio Janson, que se tornou grande amigo de Paulo Amarante de Araújo. Tudo isso aconteceu no final da década de 1930, em Bauru, no interior de São Paulo. Anos mais tarde, essa dupla atuou nas mais importantes iniciativas para o desenvolvimento da Odontologia no Brasil.
Com o passar do tempo, a amizade só cresceu e, em 1951, influenciado por Janson, ambos foram morar em Uberaba (MG) para cursar Odontologia na então Faculdade de Odontologia de Uberaba, que atualmente se chama Uniube. Além de escolherem a mesma profissão, outra coincidência do destino os uniu: curiosamente, eles conheceram duas irmãs e com elas se casaram. Waldyr casou-se com Débora Reis Pereira e o Paulo casou-se com Lúcia dos Reis Pereira de Araújo.
Ao finalizar a graduação, em 1955, Paulo retornou a Bauru, abriu consultório e se elegeu presidente da Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD) local. Nesse período, ele frequentava muitos cursos, principalmente em São Paulo, ministrados por diversos professores estrangeiros que visitavam o País. Posteriormente, foi para a Argentina se especializar em Ortodontia, que era uma novidade.
Mas, enquanto exercia o cargo de presidente da APCD, ele viu nos registros de ata da instituição a existência de um decreto que criava a Faculdade de Odontologia de Bauru. “Ele e o amigo Waldyr Janson foram até São Paulo, solicitaram uma audiência com o governador que, por sua vez, pediu que eles conversassem com o secretário de Educação. Assim, foi confirmada a criação da Faculdade de Odontologia de Bauru”, descreve Carlos de Araújo, filho de Paulo.
Os próximos passos desse acontecimento que mudou para sempre os rumos da Odontologia brasileira envolveram ainda o Prof. Dioracy Fonterrada Vieira, da Faculdade de Odontologia da Universidade São Paulo (Fousp). Os três compuseram um grupo que pouco a pouco foi lançando as pedras fundamentais para a criação da estrutura didática da Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade São Paulo (FOB/USP): um feito finalmente concretizado em 1962, com Paulo Amarante de Araújo como o primeiro professor contratado.
Incansável
Na FOB/USP, Paulo Araújo mergulhou profundamente na investigação e pesquisa dos materiais odontológicos e chegou à chefia do Depto. de Materiais Dentários. Durante toda sua trajetória, ele sempre interagiu com o amigo e cunhado Waldyr Janson. Os dois desenvolveram uma grande quantidade de publicações relacionadas a materiais dentários e à prótese. A mais relevante delas foi a colaboração para o livro Materiais Dentários, do Prof. Dioracy Fonterrada Vieira.
Mesmo integrado ao corpo docente da faculdade, Paulo Araújo decidiu ingressar na livre-docência e se tornar o primeiro professor titular da FOB/USP. “Até então, todos os diretores eram professores da Fousp, porém chegou-se a um consenso de que era importante ter um professor de Bauru na diretoria. Assim, meu pai prestou o concurso de titular e, em 1974, foi o primeiro diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru oriundo da própria cidade”, afirma Carlos Araújo.
Em 1981, após concluir seu mandato como diretor da FOB, ele foi convidado para participar como pesquisador associado do Depto. de Materiais Dentários da Faculdade de Odontologia de Copenhague, na Dinamarca, juntamente com seu chefe, o professor Knud Dreyer Jörgensen. “Lá, ele desenvolveu uma série de pesquisas em parceria com a empresa Bayer, que culminaram com o descobrimento e a criação de um dos materiais de moldagem mais importantes do contexto da Prótese atual: os silicones de adição. Nessa ocasião, meu pai publicou vários trabalhos importantes relacionados aos testes iniciais desse material, e um deles tem o maior número de citações na história da Odontologia”, conta Carlos Araújo.
Após retornar da Dinamarca, Paulo passou mais alguns anos como pesquisador e orientador de alunos de pós-graduação em Bauru – programa em que ele participou ativamente da criação –, até receber um convite para fazer parte do processo de concepção do curso de Odontologia da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa (Portugal). “Durante as décadas de 1970 e 1980, o curso de pós-graduação da FOB contribuiu para a formação de inúmeros professores que hoje são grandes destaques em importantes faculdades de Odontologia de todo o Brasil. O nome de Bauru foi propagado entre todos os estados brasileiros e vários países. Graças à iniciativa de meu pai e seus amigos, ainda foi criado o programa de mestrado e depois o de doutorado da FOB”, relembra Carlos Araújo.
Além da grande proximidade com Waldyr Janson, Dioracy Fonterrada Vieira e Knud Dreyer Jörgensen, Paulo Amarante de Araújo também teve outra importante amizade no universo da Odontologia: o professor P-I Brånemark. “Eu e Laércio Vasconcelos trouxemos para Bauru o Prof. Brånemark, que passou sete anos trabalhando conosco. Uma das primeiras amizades que ele fez por aqui foi com meu pai, justamente pela sua experiência de ter morado na Dinamarca algum tempo antes”, revela Carlos Araújo.
O outro lado do professor
Fora da vida acadêmica, Paulo era entusiasta da prática de tiro ao alvo e costumava treinar no batalhão da Polícia Militar. Porém, por gostar muito desse esporte, ele construiu na própria residência um estande, dentro dos padrões de segurança mundiais, para praticar junto com os amigos.
Outra faceta característica do professor era a paixão por música clássica. “Seu acervo, que hoje está com a minha mãe, tem mais de 300 discos de música clássica em vinil. Na década de 1950, ele participou da fundação do Clube dos Amigos da Boa Música, que se reuniam todas as segundas-feiras para falar sobre as peças eruditas e clássicas que eram apresentadas. Quem entrava na casa, sempre escutava as mais diversas e maravilhosas peças de música clássica”, afirma Carlos Araújo, resgatando valiosas memórias.
Falecido em abril de 2014, aos 83 anos, Paulo não foi um exemplo profissional apenas nas universidades e grupos de pesquisa por onde passou, ele se tornou uma referência também em casa: os três filhos seguiram seus passos e cursaram Odontologia em Bauru. “Minha irmã Helena Maria se especializou na Suécia em Periodontia; meu irmão Marcelo fez pós-graduação em Reabilitação Oral e é clínico em Botucatu; e eu fiz pós-graduação em Reabilitação Oral e hoje sou livre-docente do Depto. de Prótese da FOB/USP. A influência do meu pai foi marcante em toda a família”, acredita Carlos Araújo.
Paulo Amarante de Araújo deixou um impressionante legado de conquistas e contribuições ao sistema educacional da Odontologia brasileira, assim como projetou mundialmente o reconhecimento da Faculdade de Odontologia de Bauru, a qual se dedicou até praticamente seu falecimento.